Na vida, escolha ser peça de lego e não de quebra-cabeça – a inteligência do grupo

A flexibilidade no trabalho, principalmente na figura do home office, tem se tornado cada vez mais atraente às empresas, por contribuir para a redução do estresse e conferir aos funcionários maior sensação de liberdade e controle sobre suas vidas. Contudo, os seres humanos são, evolutivamente, criaturas sociáveis, e nós precisamos da interação com outras pessoas para manter o equilíbrio da nossa saúde mental.

Os trechos abaixo foram extraídos do livro “Trabalhando com a inteligência emocional”, escrito por Daniel Goleman e publicado em 1998[i]. Apesar de terem completado 21 anos em 2019, não poderiam ser mais atuais:

“Há somente 20 anos, a habilidade de trabalhar em equipe era tida como uma capacidade típica de iniciantes, e não uma característica que definisse líderes destacados. Nos anos 90, contudo, as habilidades de equipe são uma qualidade que identificam quem alcançará a posição de profissional de ponta.

(…)

Isso porque a tendência é que o trabalho gire cada vez mais em torno de grupos ad hoc e de organizações virtuais, de equipes espontâneas que surgem e se desfazem acompanhando o ciclo da necessidade que as gerou, que aparece e acaba, bem como à medida que as tarefas se tornem tão complexas que jamais uma só pessoa terá todas as aptidões requeridas para realizá-las”.

Após a publicação do livro, muitos estudos foram realizados no sentido de demonstrar que as vantagens de trabalhar como um time no mundo empresarial são maiores, pois as organizações são impulsionadas a melhores resultados e, de fato, elas têm atribuído cada vez mais valor aos trabalhos em equipe, inclusive através o auxílio de profissionais especializados.

Terminologicamente, grupos não se tornam times pelo simples fato de alguém tê-los chamado por este nome, mas porque os membros do time estão comprometidos com uma mesma meta, um propósito comum, possuem habilidades complementares, as expectativas alinhadas e assumem responsabilidade individual e solidária pelo trabalho que exercem.

Isso significa que você pode agrupar vários talentos em um mesmo espaço, mas se eles não souberem ouvir uns aos outros, não conseguirem se comunicar de forma eficiente, e não conhecerem e respeitarem as diferenças que existem entre eles, o seu “time dos sonhos” vai para o espaço, ou melhor, não vai para lugar algum, ficará estacionado exatamente onde está, como um grupo.

Os times eficientes e produtivos, também denominados alta performance, não têm apenas uma “estrela”, aquela pessoa que apresenta todas as ideias brilhantes e soluções criativas para que os demais ponham a mão na massa, todos são estrelas, o que permite com que cada indivíduo contribua com seu ponto forte, gerando o que Goleman denominou a “inteligência do grupo”, que produz mais e gera melhores resultados em comparação ao trabalho executado por uma única mente.

O segredo está exatamente em saber extrair os benefícios de um trabalho em equipe.

E alcançar o status de um time de alta performance não é uma tarefa simples, depende muito da estratégia adotada para que as pessoas funcionem produtivamente como peças diferentes de uma mesma engrenagem e, por isso, ter a liderança certa faz toda a diferença, inclusive em termos financeiros.

Para alguns, o convívio e a interação harmoniosa com outras pessoas é algo que flui naturalmente, para outras nem tanto, e é aí que o treinamento de um bom líder mostra sua verdadeira importância. Reconhecer e recompensar o trabalho do time, em detrimento do reconhecimento exclusivo do trabalho individual; trabalhar com um objetivo inspirador, que seja abraçado e cuja importância seja compreendida por cada um dos membros da equipe; observar e conhecer bem cada liderado e despertar o que há de melhor dentro de cada um deles são ferramentas multiplicadoras poderosas para aperfeiçoar a produção do capital humano da sua empresa.

Por isso, antes de simplesmente sair reclamando do colega de seu time de trabalho por pensar de forma diferente de você, ou daquele outro colega que não trabalha exatamente da forma como você gostaria, pense nisso!

Escolha ser peça de lego e não peça de quebra cabeça.       

[i] Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. Pg.235.

As lições da Marvel sobre inovação para produtos de sucesso

Esta semana a Marvel divulgou que o estúdio conseguiu bater, com Vingadores: Ultimato, a marca de Avatar como maior bilheteria da história, arrecadando 2,789 bilhões de dólares com a exibição do filme. Diante disso, a questão que fica é: como um estúdio que estava à beira da falência conseguiu se redefinir em apenas uma década e lançar, desde então, 22 filmes que arrecadaram um total de 17 bilhões de dólares?

De acordo com Kevin Feige, head da Marvel Studios, o segredo estaria no equilíbrio entre criar filmes inovadores que retenham continuidade suficiente para mantê-los identificáveis pelo público como parte de uma mesma família.

E como eles conseguiram unir continuidade e inovação com tanto sucesso? Através dos princípios a seguir, compilados e publicados pela Harvard Business Review:

1.        Diversidade

Dos 15 diretores contratados pela Marvel, apenas um tinha experiência no gênero de super-heróis, enquanto a dos demais variava entre Shakespeare, filmes de terror, espionagem à comédia. Essa diversidade de experiências trouxe uma visão única para cada um dos filmes, em Thor: O Mundo Sombrio há conotações shakespearianas; em Homem Formigaconotações de um filme de assalto; Capitão América: O Soldado Invernal é um filme de espionagem; enquanto Guardiões da Galáxia poderia ser caracterizada como uma ópera espacial alucinante.

Uma das apostas do estúdio que mais se destaca é a do seu primeiro filme, Homem de Ferro, que teve Jon Favreau como diretor e Robert Downey Jr. como ator principal. Favreau veio da cena indie, foi escolhido por sua habilidade de construir personagens interessantes e bons diálogos. Até então, havia produzido apenas filmes muito pequenos, mas aclamados pela crítica. Já Downey Jr., ao mesmo tempo em que era conhecido por suas habilidades como ator, tinha um amplo e divulgado histórico de abuso de drogas, motivo pelo qual nunca havia sido convidado para protagonizar um filme. A improvável combinação da experiência desses dois artistas resultou na caracterização do famoso Tony Stark.

2.        Alavancagem

Para conseguir equilibrar tantas novas ideias, vozes e talentos, a Marvel mantém um “núcleo” de alavancagem, uma pequena parcela de profissionais que permanecem nas produções de um filme para o outro. Desta forma, conseguem manter a continuidade dos filmes ao mesmo tempo que trabalham com uma comunidade de novos talentos.

Além disso, o estúdio garante tanto para diretores quanto para atores autonomia nas produções, algo bastante atrativo para grandes nomes da indústria cinematográfica. Em entrevistas, Scarlett Johansson e Benedict Cumberbatch, por exemplo, chegaram a dizer que se sentiam “à vontade” e “empoderados” para fazer “o que queriam” com relação à construção de seus personagens, de um jeito interessante e cheio de nuances.

3.        Fórmula

Os diretores da Marvel não se apegam a fórmulas que um dia geraram produtos de sucesso, pelo contrário, desfazem-se delas e vão em busca de novos ingredientes. Os scripts da Marvel revelam que os filmes trazem desde notas emocionais a notas visuais diferentes, e foram justamente os filmes que não se ativeram ao gênero de super-heróis que fizeram mais sucesso, como Homem de Ferro, Guardiões da Galáxia, Doutor Estranho, Homem Aranha: de volta ao lar e Pantera Negra, em contrapartida a Hulk, por exemplo, que foi mantido no antigo molde. No fim, o desapego às fórmulas tornou-se uma característica da própria Marvel, a tal ponto que os fãs vão ao cinema já esperando ver algo diferente.

4.        Curiosidade

A Marvel cultiva a curiosidade da audiência ouvindo a opinião dos fãs; adicionando pequenas surpresas nos filmes que sugerem uma futura produção; e inserem referências a outros filmes, estejam eles dentro ou fora do universo da Marvel.

Fora do Universo Cinematográfico da Marvel, algumas empresas utilizam-se de artifícios criativos similares para alcançar melhores resultados e um melhor posicionamento no mercado. Empresas de energia elétrica, por exemplo, contratam meteorologistas que os auxiliam em soluções para energia sustentável; e fundos de hedge têm contratado jogadores de xadrez por sua destacada habilidade de reconhecimento de padrões.

Para uma melhor compreensão, vamos entrar em exemplos mais específicos:

A empresa de tecnologia Outfit7, criadora do famoso gatinho Talking Tom, quando nomeou o jovem Žiga Vavpotič como seu novo presidente sabia que ele nunca havia feito o download de um jogo em seu computador em toda a sua vida, sua expertise estava em trabalhos com ONGs e empreendedorismo social. O objetivo era focar nos processos de expansão da organização, sem que sofresse interferência dos debates sobre tecnologia. Funcionou. São pouquíssimas as companhias preparadas para fazer esse tipo de aposta.

Nestlé e 3M, por sua vez, mantêm uma clássica estrutura organizacional, mas entendem a importância que as redes de relacionamento possuem para garantir evolução, inovação, dinamismo e flexibilidade. Por isso, novos membros estão sempre sendo agregados a seus times, desta forma, conseguem garantir continuidade e gerar inovação mantendo sua estrutura quase intacta.

Já a Nike, com sua marca Jordan, gera curiosidade nos consumidores inserindo recursos ocultos em cada uma das versões de seus sapatos, que variam de escrita em braile na língua a citações gravadas à laser na sola dos tênis. Assim como a Marvel, ela conecta seus produtos através de detalhes e possui uma ampla rede de consumidores online que fornece constante feedback sobre eles.

As abordagens adotadas pela maioria das organizações para sustentar a criatividade e inovação de seus produtos costumam ser seguir processos ou construir uma cultura nesse sentido. Porém, é necessário atentar-se para o fato que apesar de útil, a continuidade de um produto de sucesso acaba sofrendo restrições em muitos contextos. A atenção aos princípios elencados acima, como um todo, pode ajudar as organizações a irem além dessas restrições, construindo um mecanismo de inovação que seja sustentável a longo prazo.

A discriminação como produto das ações das pessoas e das estruturas que elas criam – Qual a sua parcela de responsabilidade?

Uma organização de grande porte iniciou, recentemente, um programa interno de diversidade e inclusão, cujo lançamento contou com a presença de funcionários, diretoria e presidência. O diretor escolhido para fazer um dos discursos foi o de operação fabril, que dividiu com os demais colaboradores a recente instalação de um banheiro feminino na fábrica, que não contava com um, para receber um funcionário transsexual recém contratado, pois apenas homens trabalhavam no local até então.

Após, passou a palavra ao Presidente – homem, branco, no auge do seus quarenta e poucos anos – que fez um relato sofrível sobre sua experiência pessoal com discriminação na época em que era jovem… por ser “jovem”.

Ficou bastante claro para todos os presentes que a organização estava se esforçando para acompanhar o ritmo do desenvolvimento social e trazê-lo para a esfera corporativa, mas não o suficiente. Quem assistiu à cena sentiu-se constrangido, simplesmente porque não conseguiu sentir empatia por aquelas pessoas que transpareceram absoluta ignorância sobre o tema que estavam dissertando. Não conseguiram estabelecer uma conexão com quem assistia.

Você já parou para pensar se a empresa onde você trabalha preocupa-se em ir além da diversidade e dedica-se à inclusão? Ela fala sobre diversidade porque é a “coisa certa a fazer”, porque precisa “cumprir a quota” ou efetivamente possui uma estratégia de retenção de talentos que inclui todo tipo de representatividade?

Uma pesquisa conduzida pelo Boston Consulting Group em 14 países, inclusive o Brasil, que contou com 16 mil colaboradores, revelou que 96-98% das maiores organizações (mais de mil funcionários) contam com um programa de diversidade. Contudo, apesar do investimento, três quartos dos participantes de subgrupos – mulheres, minorias raciais e étnicas, LGBT – disseram não se sentir pessoalmente beneficiados pelos programas de diversidade e inclusão que as empresas oferecem, porque não há inclusão!

Quando questionados sobre quais intervenções os grupos minoritários achavam mais eficazes para incluir diversidade no ambiente de trabalho, houve um consenso sobre voltar “ao básico”, e utilizar métodos que supostamente removem o preconceito pela raiz.

As intervenções mais citadas incluíam:

– Políticas discriminatórias mais rígidas;

– Treinamentos sobre diversidade;

– Ampliação das competências culturais das organizações e

– Fim dos vieses em avaliações de desempenho e decisões promocionais.

Companhias que buscam fortalecer suas politicas de inclusão e diversidade precisam entender que o sucesso desse tipo de iniciativa depende, basicamente, de três pilares: engajamento da liderança, uma abordagem personalizada com base nas necessidades exclusivas da organização e acompanhamento continuo para medir progresso e resultados.

Parece simples, mas a questão é: as organizações estão dispostas a dedicar a esses programas a mesma metodologia que usariam em qualquer outra prioridade do negócio?

A pesquisa também revelou que os membros de grupos majoritários continuam subestimando os obstáculos que os grupos minoritários enfrentam diariamente. Ao se depararem com índices baixos na análise de dados da organização, muitos líderes recebem esses números com desdém e tratam-nos como resultado de um “funil de talentos”, algo que estaria além do controle da organização.

É incorreto encarar a sub-representação de minorias como inevitável. Ela é produto das ações das pessoas e das estruturas que as pessoas criam, muitas delas dentro das organizações. É essencial que a liderança aprofunde o relacionamento com seus colaboradores e entenda como a organização pode construir um ambiente mais acolhedor para todos, isso gera não só maior engajamento, mas maior produtividade e consequentemente melhor performance financeira!

Procurem verdadeiros talentos na diversidade e retenham esses talentos!

Eu acredito que, com força de vontade, estruturas e ações são mutáveis e as organizações precisam entender a importância de serem parte disso.

 

Sobre o (pouco discutido) efeito da SOLIDÃO na performance em ambientes de trabalho

Rolando meu feed do LinkedIn, deparei-me com uma matéria sobre solidão no ambiente de trabalho elaborada com base em dados obtidos pelo Professor Sigal Barsade da The Wharton School of Business, Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, em um relatório intitulado “Workplace Loneliness and Job Performance”.

Publicado em dezembro de 2018, o estudo demonstra que a solidão no ambiente de trabalho não está relacionada à idade ou gênero, mas às visões e perspectivas do indivíduo. O estudo concluiu que quanto maior o sentimento de solidão, mais baixa a performance do colaborador e maior a probabilidade desse indivíduo ser afastado do trabalho por motivo de doença.

Demonstrou também, que os trabalhadores em um escritório são tão suscetíveis à solidão quanto aqueles que não precisam deixar o conforto de suas casas para executar suas tarefas diárias no modelo Home Office, tão apreciado hoje em dia.

Isso significa que as pessoas não precisam estar inseridas em um grande grupo de colegas para evitar sentirem-se sós, a ligação com apenas um deles seria o suficiente. É sobre qualidade e não quantidade.

Essas informações me fizeram refletir sobre a (quase inexistente) abordagem do assunto no ambiente organizacional e sobre minha própria caminhada profissional. Revisando alguns momentos, percebi que sofri desse mal em duas oportunidades até hoje, e me dei conta do quanto o sentimento negativo me afetou na época, não apenas profissionalmente, mas em minha vida pessoal. É difícil imaginar quantas pessoas devem sofrer com o problema atualmente e não tenham ideia de como lidar com ele, como eu não tinha.

Minha primeira experiência aconteceu no início da vida profissional, em um dos meus primeiros estágios durante o curso de Direito, em um escritório de advocacia que ficava próximo à faculdade. A segunda experiência aconteceu quando eu já havia me formado e estava trabalhando em uma empresa multinacional, em que fui enviada para realizar um projeto de outsourcing que duraria alguns meses, em uma outra empresa multinacional.

Em ambos os casos, cheguei a questionar intensamente minhas habilidades sociais e interpessoais, algo que cruzou minha mente pouquíssimas vezes em minhas (pouco mais de) três décadas de vida, ou seja, pode acontecer com qualquer um! Eu simplesmente não conseguia me “conectar” com as pessoas do grupo com quem estava trabalhando. O resultado? Sentimento de impotência, frustração, baixa performance, falta de interesse pelo trabalho e zero engajamento.

Segundo artigo publicado pela Harvard Business Review :

o “comportamento de solidão” no ambiente de trabalho, aumenta ainda mais o sentimento de isolamento da pessoa, perpetuando um ciclo de vigilância social que, por sua vez, gera afastamento, dificuldade de comunicação e colaboração, além de fragmentação da confiança. Tudo isso afeta negativamente não só a saúde do funcionário, mas do grupo e da organização como um todo.

A boa notícia é que as organizações podem (e devem) oferecer suporte para esses “solitários”, quando identificados. Em uma meta-análise de estratégias de intervenção para reduzir a solidão, pesquisadores descobriram que as intervenções mais efetivas estão relacionadas à cognição social, que pode ser entendida como as percepções tendenciosas que os solitários têm sobre como são vistos ou o baixo grau de confiança que tem em outras pessoas.

Por esse motivo, programas de estabelecimento de metas e desenvolvimento de estratégias para alcançá-las que focam em esclarecer as necessidades do indivíduo com relação à amizade, motivação e habilidades mostraram-se altamente eficazes, quando o acompanhamento era constante (afinal, soluções para dificuldades de relacionamentos não se formam magicamente, nem do dia para a noite).

Um outro ponto muito importante a considerar é o impacto que a cultura organizacional, por meio de seus valores e normas relacionados à expressão de emoções, causa nos colaboradores. Estudos demonstram que empresas com culturas emocionais fortes enfraquecem a existência de relações negativas no ambiente de trabalho, o que, obviamente, impacta positivamente na saúde do colaborador que será mais criativo, mais produtivo e mais engajado. Além disso, líderes que demonstram mais compaixão – tratar bem e interagir – pelos membros de sua equipe, também contribuem para a mitigação dos efeitos negativos ocasionados pela solidão.

O fato é que o isolamento acaba causando diversos impactos ruins em nossas vidas porque os seres humanos são seres sociáveis, nossa necessidade de conexão é primitiva. Ainda há muito o que descobrir e aprender sobre a solidão no ambiente de trabalho, mas é importante que todos, de colaboradores a líderes e organizações, estejam cientes sobre o assunto e saibam identificá-lo, porque a solidão não é uma questão meramente pessoal, ela gera repercussões organizacionais, e o caminho do conhecimento (e seu consequente aprimoramento) pode ser bastante árduo.