Em busca do bem-estar estamos nos adaptando a uma sociedade doente

Imagem de Viktor Talashuk via Unsplash

Historicamente, o conceito de bem-estar começou a ser cunhado no século 17, e estava ligado apenas à saúde física, era praticamente sinônimo de “ausência de doenças”.

No século 18, o conceito passou a ser atrelado à bens materiais que supriam as necessidades básicas de limpeza e higiene que impactavam a saúde das pessoas naquela época.

Atualmente, a percepção sobre bem-estar e saúde tornou-se muito mais ampla, e envolve os aspectos mental, emocional, físico e social.

Eis que me deparei com a seguinte questão: o que “bem-estar”, afinal? Como as pessoas alcançam o bem-estar?

Naquele momento, eu recorri ao Google nosso de cada dia, claro!

E eu posso te dizer que muitos dos manuais de “bem-estar” disponíveis na internet irão te dizer que para alcançá-lo, precisamos:

1 – Fazer escolhas simples e saudáveis diariamente;

2 – Reduzir o estresse; e

3 – Ter interações sociais positivas.

Parece mesmo muito simples.

Agora, quando desligamos o computador e temos que encarar a realidade, a situação é um pouco mais complicada. Hoje, nós somos tão “pressionados” a ter uma vida saudável e feliz, que a preocupação deixou de ser com o bem-estar em si, e passou a ser com o fato de que a saúde é tratada como uma ideologia.

Quando afastamos o “bem-estar” da ideia geral de “nos sentirmos bem”, e transformamos o conceito em algo que devemos fazer para viver de maneira verdadeira e feliz, ele assume um novo significado e passa a ser uma obrigação moral.

Vou dar um exemplo bem simples: durante muito tempo, em um passado recente, eu usei um relógio que, dentre outras funções, contabilizava todos os passos que eu dava em um dia. Eu tentava dar, pelo menos, 8 mil passos por dia, mas achava 10 mil passos o ideal (simplesmente porque é um número redondo).

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Depois, entrava no aplicativo do relógio, no celular, que comparava meus dados com os de outros usuários do mundo inteiro e eu ficava mal quando via que não tinha caminhado mais do que 80% das pessoas. Sentia-me preguiçosa e fracassada por não ter conseguido executar uma atividade tão simples, mesmo sabendo que aquilo era um exagero. E eu agia da mesma forma todos os dias.

E essa obrigação moral de sermos saudáveis e felizes, da qual somos cansativa e constantemente lembrados, foi batizada pelos pesquisadores Carl Cederstrom e Andre Spicer, autores do livro “The Wellness Syndrome”, de biomoralidade.

lógica da biomoralidade é a seguinte: ela te dá uma sensação meio presunçosa de dignidade, fazendo você pensar que está do lado certo de uma suposta ‘lei moral’. Te faz pensar que se as pessoas fossem mais como eu, você – ou como a Gisele Bundchen – o mundo seria um lugar muito melhor, mais saudável, mais feliz.

Vocês devem se lembrar de uma situação que aconteceu cerca de 3 anos atrás, em que uma modelo da Playboy foi condenada nos Estados Unidos por divulgar e ridicularizar, no Snapchat, a foto do corpo de outra mulher, nua, no banheiro de uma academia.

Dani Mathers, então com 29 anos, compartilhou duas imagens: uma da mulher, que é idosa, e tinha 70 anos na época, e uma segunda em que ela ri e faz cara de nojo, de deboche.

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“Se eu não posso ‘desver’ isso, você também não pode”, foi a legenda que a modelo colocou em cima da imagem da mulher nua.

É claro que ela foi alvo de muitas críticas na internet por ter praticado body shaming, foi condenada pela justiça do estado da Califórnia, demitida de seu emprego em um programa de rádio, e teve a entrada nessa rede de academias permanentemente proibida.

Mas o principal problema dessa história é que esse tipo de mentalidade não é exclusivo dela.

Nós somos constantemente encorajados a ter nojo do corpo das pessoas que não seguem o “padrão”, e como se não fosse ruim o bastante, somos encorajados a sentir nojo do que as pessoas comem.

Na verdade, comer se tornou uma atividade paranoica. O ato de comer não se destina mais a proporcionar prazeres momentâneos ou de felicidade com pessoas queridas em volta de uma mesa.

“Comer” coloca sua identidade à prova.

Pense, por exemplo, no que você costuma pedir no restaurante quando está fazendo uma reunião com o cliente durante o almoço.

Ou no que você come quando sai pela primeira vez com aquela pessoa que tanto queria.

Você pede o que realmente quer comer ou o que você acredita que transmitiria uma imagem sua melhor?

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Hoje, comer de forma correta tem sido associado ao caminho para uma vida próspera, é uma conquista, demonstra para a sociedade uma superioridade no que diz respeito a “viver bem”.

Essa insistência de que o indivíduo é capaz de escolher seu próprio destino, supondo que temos 100% de controle sobre nossas próprias vidas, mesmo quando as circunstâncias não estão a nosso favor, acaba provocando sentimento de culpa e ansiedade.

Pesquisas revelam que as pessoas fazem dietas muito mais com a intenção de aliviarem o sentimento de culpa que elas carregam, do que para perder peso.

Você é responsável pelo seu emagrecimento e pelo seu bem estar? Sim. Mas é o único responsável? Não. 

Em tempos como estes, em que a imagem ocupa um papel crucial na sociedade, distinguir o que é real do que não é está cada vez mais difícil. Nossa obsessão com a busca superficial pela felicidade destruiu nosso relacionamento com o que é real.

Na minha humilde opinião, quando as pessoas não acreditam mais na transformação política, não acreditam mais que o mundo pode ser mudado para melhor, elas colocam todas as suas energias em querer melhorar a si mesmos.

Cria-se uma espécie de entusiasmo ingênuo em tornar nossas vidas melhores, através do que seria a melhoria do nosso estilo de vida imediato.

Existe a expectativa de que façamos cada vez mais e mais e mais, não importa o que, e para que estamos fazendo, o que acabou transformando a busca por aperfeiçoamento pessoal em uma corrida maluca, que é vista como um comportamento normal pela sociedade!

Acompanhar obsessivamente o nosso bem-estar, enquanto continuamente encontramos novos caminhos de autoaperfeiçoamento deixa pouco espaço para viver.

Há uma crença bastante enraizada na sociedade de que se a maioria sente, acredita ou faz, então é “normal”. E, então, serve de guia para o comportamento geral. O problema é que nem todas as normas são benevolentes.

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Mas será que é normal achar normal o que não deveriam ser…normal?

É saudável e importante preocupar-se em querer melhorar.

E não há nada de errado em estar bem ou querer estar bem, mas se conhecer e ser bem informado é completamente diferente de aderir ao espírito de rebanho, em que se age de forma automática e inconsciente.

Eu não sou super fã de esportes, costumo dedicar uma pequena parcela do meu tempo a eles apenas em épocas de copa do mundo e olimpíadas (inclusive as de inverno!), mas independente disso, recomendo que assistam a “docuseries” Arremesso Final (The last dance) disponível no Netflix.

O documentário acompanha a temporada de 1997-98 do Chicago Bulls do início ao fim (uma raridade) e, para mim, foi uma grande aula sobre liderança, trabalho em equipe, motivação, engajamento, valores e resiliência profissional e emocional.

Um breve panorama sobre o documentário

A dinastia do Bulls começou no segundo jogo das Finais de 1991 e foi até as Finais de 97-98, período em que conquistaram 6 títulos da NBA.

A série mantém o foco nos 3 principais jogadores da equipe na época: Michael Jordan, Scottie Pippen e Dennis Rodman.

Michael Jeffrey Jordan é considerado um dos maiores desportistas da história. Iniciou sua carreira em 1984 jogando pelo Chicago Bulls, e logo se tornou uma das estrelas da liga.

Scottie Maurice Pippen desempenhou um papel fundamental na transformação do Chicago Bulls junto a Michael Jordan na década de 90, e foi nomeado um dos 50 maiores jogadores da história da NBA durante a temporada de 96-97.

E Dennis Keith Rodman ficou mundialmente conhecido por sua ferocidade no posicionamento defensivo e rebote (apesar da baixa estatura), além do seu estilo extravagante dentro e fora das quadras.

Apesar das divergências em torno do documentário, ele mostra de forma muito humana as diferentes percepções de uma realidade muito diferente – e distante – da esmagadora maioria das pessoas.

Abaixo, listei 10 valiosas lições que aprendi assistindo a série e espero que possam inspirar outras pessoas também.

1 – Como ter um time de alta performance

Ninguém é capaz de fazer absolutamente tudo sozinho, e Michael Jordan sempre soube disso.

Apesar de ser considerado a “estrela” do time e de ter alcançado um nível de fama que poucos conseguiram no mundo, Jordan tinha consciência de que seu desempenho excepcional nas quadras só foi possível porque ele contava com a grandeza defensiva de Pippen, Rodman e do restante da equipe.

Um time campeão apresenta:

– Objetivo comum;

– Mesmo propósito;

– Papéis claros;

– Dinâmicas que aproveitam o potencial de todos os membros;

– Relação de confiança e respeito com o técnico;

– Jogadores sempre abertos a corrigir seus erros, escutar, aprender e mudar quando necessário;

– Colaboração efetiva; e

– Comunicação eficaz.

2 – A inteligência do time supera a do indivíduo

Em um time cheio de estrelas, não deve ser fácil manter a humildade e controlar a força do ego, afinal, sabemos que isso ocorre frequentemente em times que nem possuem tantas estrelas assim.

Quando os membros de uma equipe aprendem a trabalhar juntos de forma efetiva, com regularidade, e respeitando o perfil de cada uma das pessoas, eles conseguem tomar melhores decisões e chegar à melhores soluções para os problemas, em comparação ao que poderia ter sido feito pela pessoa mais brilhante da equipe sozinha.

Recusar-se a fazer um esforço conjunto pode levar o time a conclusões que não seriam aceitáveis para nenhum dos membros individualmente, portanto, o esforço vale a pena!

3 – Controle você o ambiente, e não o contrário

Michael Jordan era um jogador extremamente competitivo, e queria jogar ao lado dos melhores, daqueles em quem podia confiar, por isso, exigia um alto desempenho de todos os seus colegas durante os treinos.

Essa força de vontade de vencer a qualquer custo era o clima predominante no time, e certamente contribuiu significativamente para a conquista dos 6 títulos do Bulls.

O ambiente é um dispositivo ininterrupto de gatilhos que pode nos afetar de maneira positiva, nos ajudando a ser pessoas melhores, mas também pode nos afetar de forma negativa, que é o que ocorre a maior parte do tempo, e da qual ninguém está imune.

Cada vez que entramos em uma nova situação (com um novo quem, o que, quando, onde e por que) estamos nos cercando de um novo ambiente, e o nosso comportamento sofre uma mudança sutil em decorrência das pessoas que estão presentes, do clima e da estrutura do local. Pense, por exemplo, nas suas atitudes (no que você fala, como fala, como se comporta) em cada uma das suas rodas de amigos, elas são iguais ou diferentes?

Além disso, às vezes, a alteração de um simples fator pode transformar o ambiente ideal em um desastre. Pense, por exemplo, em como fica sua atenção ao assistir uma palestra quando está com fome, ou se o ar condicionado está desligado e o local fica quente. Uma coisa é certa: sua irritabilidade o impedirá de aproveitá-la da forma como poderia e gostaria.

4 – A importância de um treinador que aceite quem você é e confie no seu jogo.

Em nenhum momento do documentário vemos Phil Jackson, treinador do Bulls, forçando Michael ou qualquer outro jogador a mudar a forma como eles jogavam, pelo contrário, ele respeitava e lapidava as jogadas de cada um em favor do time.

Um bom líder ensina, não determina. Não julga, faz observações objetivas. Não manipula, oferece escolhas. Não duvida, confia. Quando a comunicação entre líder e liderado (ou treinador e jogador) acontece dessa forma, ela gera um impacto importante no bem estar dos liderados que, de confusos e autocríticos, passam a desenvolver um estado de espírito focado e geram melhores resultados.

5 – O desejo alimenta o Foco

Alguém tem alguma dúvida de que Michael Jordan queria ser um dos maiores jogadores de basquete de todos os tempos? Se você tem, a série irá afastar essa sua percepção, esteja certo disso.

Quando estamos conectados com o que realmente queremos, com nossos objetivos e metas, conseguimos perceber o que pode nos levar a ou nos afastar do sucesso.

A nossa escolha reside no que alimentar, e no que abandonar. E é através das nossas escolhas que nós definimos as prioridades que nos conduzirão pela vida e nos manterão motivados.

Quando enxergamos com clareza essas prioridades, é mais fácil manter o foco.

6 – Aceitar e confiar no outro, sem julgamentos

Como explicado na abertura do artigo, Dennis Rodman era um jogador que ostentava um estilo de vida nada convencional. Ele precisava de liberdade, gostava de colorir o cabelo e frequentar festas.

Em uma das temporadas de jogos, mesmo tendo faltado por 4 dias seguidos aos treinos por ter ido à Las Vegas, não foi punido ou humilhado pelo treinador ou pelos colegas, pois todos sabiam que ele sempre mantinha um desempenho excepcional nas quadras e nunca deixou o time na mão.

O Chicago Bulls encontrou, como um time, equilíbrio na flexibilidade e aceitação.

Quando desenvolvemos uma relação de confiança com alguém, não há espaço para julgamentos. Isso é mostrado diversas vezes ao longo do documentário.

7 – Tenha consciência dos seus limites para preservar sua saúde mental

Michael Jordan tinha um relacionamento muito próximo de seu pai, que fora assassinado covardemente no início da década de 90. Ele acompanhava MJ e assistia a todos os seus jogos, dava conselhos e era considerado pelo filho “seu melhor amigo”.

Quando se viu diante do vazio que a ausência do seu pai causou em sua vida, Jordan tomou a decisão de se afastar das quadras e se dedicar à uma nova carreira, pois jogar basquete sem a presença do seu pai o colocava em um estado emocional muito negativo, e fazendo isso conseguiu preservar a sua saúde mental.

8 – Não tenha medo de mudar, e de mudar de novo…

Foi exatamente no período em que perdeu seu pai que Michael Jordan decidiu se aposentar do basquete e investir em um antigo sonho: ser jogador de beisebol.

Ele se dedicou durante um ano e meio ao esporte, até que uma greve organizada pelos jogadores de beisebol estourou nos Estados Unidos e paralisou as atividades.

E então você pode pensar: ok, mas ele era famoso, super talentoso e muito rico, assim é fácil fazer uma transição de carreira.

Sim, concordo. Mas o fato de ser famoso, talentoso e rico não mudou em nada o esforço e as adaptações que ele teve que fazer para desenvolver as habilidades necessárias para sua nova profissão, e todos que optam por fazer uma transição de carreira passam por isso.

A grande diferença é que o medo de mudar (e, no caso dele, de ser julgado pela opinião pública) nunca o paralisou, e é exatamente esse o maior problema nesses casos: ter a coragem de dar o primeiro passo e sair da zona de conforto.

E não podemos nos esquecer de que Michael não fez isso só uma vez, mas duas, pois durante a greve dos jogadores de beisebol ele optou por voltar ao basquete, e levou mais um ano para conseguir se readaptar e reconquistar sua antiga forma física.

9 – Assuma as suas responsabilidades e saiba pedir desculpas

Foi durante o hiato de Michael Jordan do basquete que Scottie Pippen protagonizou uma das cenas mais polêmicas da temporada de 1994.

Com a saída de Jordan, Pippen, que é considerado um dos maiores jogadores da NBA da história, de certa forma ‘preencheu’ o vazio deixado pelo seu colega e se tornou uma das maiores estrelas do Bulls na época.

Mas durante a semifinal da conferência leste de 1994, Pippen se recusou a voltar à quadra após o técnico Phil Jackson ordenar que o croata Toni Kukoc recebesse a última bola para decidir o jogo contra o New York Knicks.

Apesar de ter causado muita indignação, depois do jogo Pippen encarou seus colegas de quadra e pediu desculpas por ter tido uma atitude tão egoísta. A impulsividade de sua reação quando foi preterido pelo técnico poderia ter custado a vitória do jogo ao Bulls e prejudicado todo o time.

Pippen reconheceu que sua atitude foi prejudicial e agiu com humildade. Já o time teve a capacidade de entender que o comportamento do jogador se tratava de um fato isolado, afinal, todos cometemos erros. Eles aceitaram suas desculpas e o Bulls continuou atuando com alto desempenho nas quadras.

10 – Conheça-se!

MJ sabia perfeitamente quais eram suas forças, suas fraquezas, e principalmente, como se manter motivado. Ter consciência desses pontos não é tão intuitivo para a maioria, por isso passar por um processo de autoconhecimento é tão importante.

Michael criava constantemente histórias em sua mente que motivava seu perfil super competitivo a encontrar razões para “derrotar” os outros times. Ele tratava essas razões como objetivos de curto prazo, mantinha-se focado em alcançá-los e vencia!