Primeira mulher a atuar no mercado financeiro – Conheça Hetty Green

Cartoon da capa da revista The Punch, de 1895, que retrata Green com outros dois grandes investidores, Russell Sage e George J. Gould (Biblioteca do Congresso dos EUA).

Tenho me deparado frequentemente com anúncios de eventos financeiros destinados ao público feminino. Eu invisto, minha mãe investe, muitas das minhas amigas investem e uma de minhas irmãs é assessora financeira, mas admito que tudo isso é recente, o cenário não costumava ser esse para as mulheres em geral.

Segundo dados da B3 – Brasil, Bolsa, Balcão, hoje, 23% dos 858 mil CPFs cadastrados na bolsa brasileira são de mulheres, um aumento de 9 vezes nos últimos 15 anos. De fato, nos últimos tempos as mulheres avançaram expressivamente no mercado de trabalho, o que contribuiu de forma significativa para o aumento de sua atuação no mercado financeiro.

Apesar da exclusão das mulheres de temas econômicos e financeiros ser histórica, em pleno século XIX Hetty Green, também conhecida como a Bruxa de Wall Street,  investidora considerada a primeira magnata dos Estados Unidos, viveu na contra mão da estrutura social de sua época e provou que as mulheres poderiam atuar brilhantemente onde quer que quisessem atuar, inclusive fora do ambiente doméstico.

Hetty quebrou muitos paradigmas e deixou uma trajetória inspiradora pouco conhecida, mas que merece ser compartilhada.

Henrietta Howland Robinson nasceu em 21 de novembro de 1834, em New Bedford, Massachusetts. De família rica, aos 6 anos Hetty já lia notícias do mercado financeiro para seu avô, que também lhe explicava sobre preços de ações. Aos 10 anos trabalhou como secretária de seu pai, escrevendo cartas e participando de reuniões. Aos 13, cuidava da contabilidade dos negócios da família. Aos 20, ganhou de seu pai vários dos vestidos mais finos e elegantes da época para que pudesse atrair um bom pretendente para se casar – Green vendeu seu novo guarda-roupas inteiro e com o dinheiro comprou títulos do governo, seu favorito.

Apesar ter ficado muito famosa em Wall Street, Hetty era cautelosa ao gerenciar sua carteira de ações, preferia comprá-las para investimento e não especulação. Ela também soube capitalizar grandes somas com empréstimos, especialmente durante o pânico de 1907, crise que provocou a queda do mercado de ações. Para se ter uma ideia, quando a crise terminou, dentre os que lhe deviam dinheiro estava a cidade de Nova York.

Mesmo tendo acumulado uma grande fortuna, Hetty sempre levou uma vida humilde morando em diversos apartamentos pequenos e baratos, e mantendo um escritório localizado no Chemical Bank de Nova York onde, diziam as más línguas, “todos os dias almoçava mingau”.

Em um tempo em que as mulheres não tinham sequer o direito de votar, Hetty era excêntrica e uma das figuras “mais temidas” de Wall Street. Ela não usava vestidos de seda ou renda, apenas algodão, motivo pelo qual era vista como avarenta, além de ter acumulado outros títulos nada lisonjeiros como gananciosa, desagradável e mesquinha. As histórias em torno de Green eram sempre bastante exageradas, pesquisas sobre sua vida desmentem muitas das publicações feitas na época.

Existem, por exemplo, relatos de que ela se consultava somente com médicos de instituições de caridade; de que abandonou seu marido, Edward H. Green, quando seus problemas financeiros começaram a atingir sua fortuna; que teria entrado com várias ações judiciais contra a própria família e de que; por se recusar a pagar um médico para o filho, ele acabou perdendo uma de suas pernas.

Hetty cuidou do marido doente até a morte dele em 1902, quando passou a usar somente vestidos pretos, o que lhe rendeu o famoso apelido de “bruxa”; levou o filho a diversos médicos na tentativa de conseguir que tratassem sua ferida e salvassem sua perna, e até apoiou uma greve de trabalhadores públicos em 1895.

Como destaca a New England Historical Society, a questão é que naquela época as pessoas não estavam acostumadas a ver uma mulher tão arrojada e independente como Hetty Green, principalmente na área financeira.

Quando morreu, em 1916, ela havia transformado os 10 milhões de dólares que recebera de herança do pai e da tia numa fortuna hoje equivalente a 1,6 bilhões de dólares! Ela também deixou contribuições na área de investimentos em valor (value investing) que moldaram o século XX, e posteriormente enriqueceram pessoas como Warren Buffett.

Principal biógrafo da investidora mais famosa de Wall Street, Charles Slack, destaca: “No fim das contas, seu maior crime parece ter sido escolher viver de acordo com as próprias regras e não as da sociedade”.

Gosto bastante de ler sobre grandes mulheres cujas histórias são pouco conhecidas do grande público. Sempre que puder compartilharei, mesmo que de forma breve, algumas delas com vocês.