A discriminação como produto das ações das pessoas e das estruturas que elas criam – Qual a sua parcela de responsabilidade?

Uma organização de grande porte iniciou, recentemente, um programa interno de diversidade e inclusão, cujo lançamento contou com a presença de funcionários, diretoria e presidência. O diretor escolhido para fazer um dos discursos foi o de operação fabril, que dividiu com os demais colaboradores a recente instalação de um banheiro feminino na fábrica, que não contava com um, para receber um funcionário transsexual recém contratado, pois apenas homens trabalhavam no local até então.

Após, passou a palavra ao Presidente – homem, branco, no auge do seus quarenta e poucos anos – que fez um relato sofrível sobre sua experiência pessoal com discriminação na época em que era jovem… por ser “jovem”.

Ficou bastante claro para todos os presentes que a organização estava se esforçando para acompanhar o ritmo do desenvolvimento social e trazê-lo para a esfera corporativa, mas não o suficiente. Quem assistiu à cena sentiu-se constrangido, simplesmente porque não conseguiu sentir empatia por aquelas pessoas que transpareceram absoluta ignorância sobre o tema que estavam dissertando. Não conseguiram estabelecer uma conexão com quem assistia.

Você já parou para pensar se a empresa onde você trabalha preocupa-se em ir além da diversidade e dedica-se à inclusão? Ela fala sobre diversidade porque é a “coisa certa a fazer”, porque precisa “cumprir a quota” ou efetivamente possui uma estratégia de retenção de talentos que inclui todo tipo de representatividade?

Uma pesquisa conduzida pelo Boston Consulting Group em 14 países, inclusive o Brasil, que contou com 16 mil colaboradores, revelou que 96-98% das maiores organizações (mais de mil funcionários) contam com um programa de diversidade. Contudo, apesar do investimento, três quartos dos participantes de subgrupos – mulheres, minorias raciais e étnicas, LGBT – disseram não se sentir pessoalmente beneficiados pelos programas de diversidade e inclusão que as empresas oferecem, porque não há inclusão!

Quando questionados sobre quais intervenções os grupos minoritários achavam mais eficazes para incluir diversidade no ambiente de trabalho, houve um consenso sobre voltar “ao básico”, e utilizar métodos que supostamente removem o preconceito pela raiz.

As intervenções mais citadas incluíam:

– Políticas discriminatórias mais rígidas;

– Treinamentos sobre diversidade;

– Ampliação das competências culturais das organizações e

– Fim dos vieses em avaliações de desempenho e decisões promocionais.

Companhias que buscam fortalecer suas politicas de inclusão e diversidade precisam entender que o sucesso desse tipo de iniciativa depende, basicamente, de três pilares: engajamento da liderança, uma abordagem personalizada com base nas necessidades exclusivas da organização e acompanhamento continuo para medir progresso e resultados.

Parece simples, mas a questão é: as organizações estão dispostas a dedicar a esses programas a mesma metodologia que usariam em qualquer outra prioridade do negócio?

A pesquisa também revelou que os membros de grupos majoritários continuam subestimando os obstáculos que os grupos minoritários enfrentam diariamente. Ao se depararem com índices baixos na análise de dados da organização, muitos líderes recebem esses números com desdém e tratam-nos como resultado de um “funil de talentos”, algo que estaria além do controle da organização.

É incorreto encarar a sub-representação de minorias como inevitável. Ela é produto das ações das pessoas e das estruturas que as pessoas criam, muitas delas dentro das organizações. É essencial que a liderança aprofunde o relacionamento com seus colaboradores e entenda como a organização pode construir um ambiente mais acolhedor para todos, isso gera não só maior engajamento, mas maior produtividade e consequentemente melhor performance financeira!

Procurem verdadeiros talentos na diversidade e retenham esses talentos!

Eu acredito que, com força de vontade, estruturas e ações são mutáveis e as organizações precisam entender a importância de serem parte disso.

 

Muito mais do que marca de Champagne – Veuve Clicquot, a viúva que transformou uma vinícola familiar em um império

 

No último mês tive a sorte de me deparar com o livro da Tilar J. Mazzeo, que fez um trabalho de formiguinha maravilhoso pesquisando sobre a vida de Barbe-Nicole Clicquot Ponsardin, fundadora de uma das casas de champagne mais famosas do mundo.

A falta de registros sobre ela – por ter vivido em uma época em que a mulher era criada para a vida doméstica e em que a vida de empreendedores raramente entrava nos livros de história – explicaria o fato de sua trajetória ser pouquíssimo conhecida, motivo que despertou o interesse de Tilar – para nossa alegria.

As histórias conhecidas sobre o negócio do vinho costumam colocar os homens em posição de protagonistas. Credita-se, por exemplo, à Dom Pérignon (monge cego que viveu no século XVII) a descoberta da produção de champagne; e fala-se sobre homens como Jean-Rémy Moët, que usou sua relação pessoal com Napoleão para alavancar seu negócio; e Charles-Henri Heidsieck que cavalgou da França até a Rússia para chamar atenção para a valiosa bebida.

Mas a realidade é a seguinte: o champagne não nasceu na França, mas na Inglaterra – os ingleses descobriram como fazer o vinho espumar e foram os primeiros a comercializá-lo; Dom Pérignon era um grande degustador, mas dedicava a maior parte de seu tempo tentando eliminar as bolhas dos vinhos; o nome “champagne” foi registrado muito tempo depois pela empresa Moët e Chandon, antes disso era apenas espumante; e Barbe-Nicole instituiu o famoso ‘Madame Clicquot’ como o espumante mais luxuoso do mercado do vinho, que tornou-se também sinônimo de festas e boa vida.

Aos 27 anos, sem nenhuma formação ou experiência, mãe de uma filha pequena, Barbe-Nicole teve a chance de mostrar seus talentos empresariais na pequena vinícola familiar após ficar viúva. Descrita como independente, generosa, audaciosa, inteligente, insistente, dominadora e conservadora, assumiu durante muitos anos o papel de matriarca, elevando o status de sua família da burguesia francesa para a classe alta e se tornando a primeira mulher de negócios a ser tratada como ‘celebridade’. Todos na Europa pediam “uma garrafa da viúva”.

“Na Champagne, ela era conhecida simplesmente como la grande dame. Safras raras de Veuve Clicquot ainda são chamadas “La Grande Dame” em tributo à sua fama”.

Reconhecendo uma indústria em crise no final do século XIX, quando o Ancien Régimedesmoronava, ela não teve medo de arriscar sua independência financeira em um novo empreendimento e buscar novos mercados fora dos limites do território francês. A aristocracia russa, por exemplo, era grande apreciadora e consumidora de seus espumantes, apesar de não serem tão doces como as bebidas que gostavam de apreciar –  estou falando aqui de espumantes com 300 gramas de açúcar residual!

Ironicamente, Barbe-Nicole nunca considerou a possibilidade de sua filha, Clémentine, assumir o comando do império comercial que construiu. Ela sequer cogitava a possibilidade de casá-la com um empresário que lhe permitisse atuar como “sócia oculta”, como ela própria fez em seus poucos anos de casamento.

Barbe-Nicole casou então Clémentine com o ocioso conde Louis de Chevigné para que recebesse um título de nobreza, o que certamente ajudariam seus negócios. Apesar do casamento atender seus interesses comerciais, seu extravagante genro passou a vida toda esbanjando de sua fortuna.

Teve, como uma de suas grandes realizações, se não a maior delas, a descoberta do remuage, processo utilizado para clarificar o champagne através da remoção dos resíduos das leveduras que ficam na garrafa depois da segunda fermentação. Foi esse processo em particular, usado até hoje, que tornou o champagne o vinho mais famoso do mundo.  

“Aos 40 anos, Barbe-Nicole era uma das mais ricas e famosas empresárias de toda a Europa, e uma das primeiras mulheres de negócios na história a liderar um império comercial internacional”.  

E mesmo sem saber, a viúva Clicquot abriu caminho para uma segunda geração de mulheres empreendedoras, como a jovem Louise Pommery que, seguindo seus passos, construiu uma das maiores casas de champagne e inventou o champagne brut, seco. Infelizmente, não houve uma terceira geração de mulheres, e a casa Clicquot só teria outra mulher no comando após 130 anos.

Apesar de ter vivido na época do nascimento do feminismo, ela nunca defendeu os direitos das mulheres. Em vez disso, cercou-se de homens como empregados, sócios e até amigos.

Sua famosa assinatura, em que se lê Veuve Clicquot Ponsardin, até hoje estampa os famosos rótulos laranjas do champagne sem especificação de safra da companhia.

 

……………………………………………………………………………………………………………………

Este texto faz parte de uma série sobre mulheres pouco conhecidas que tiveram papel importante na história que pretendo publicar.

A intenção não é apenas exaltar os seus feitos, mas a coragem que tiveram de romper os paradigmas da época em que viveram e trazer motivação para as mulheres de hoje! Porque boas histórias não têm prazo de validade e são pequenos sopros de inspiração.

O primeiro da série é sobre Hetty Green, a primeira mulher de Wall Street, que pode ser acessado aqui.

 

Primeira mulher a atuar no mercado financeiro – Conheça Hetty Green

Cartoon da capa da revista The Punch, de 1895, que retrata Green com outros dois grandes investidores, Russell Sage e George J. Gould (Biblioteca do Congresso dos EUA).

Tenho me deparado frequentemente com anúncios de eventos financeiros destinados ao público feminino. Eu invisto, minha mãe investe, muitas das minhas amigas investem e uma de minhas irmãs é assessora financeira, mas admito que tudo isso é recente, o cenário não costumava ser esse para as mulheres em geral.

Segundo dados da B3 – Brasil, Bolsa, Balcão, hoje, 23% dos 858 mil CPFs cadastrados na bolsa brasileira são de mulheres, um aumento de 9 vezes nos últimos 15 anos. De fato, nos últimos tempos as mulheres avançaram expressivamente no mercado de trabalho, o que contribuiu de forma significativa para o aumento de sua atuação no mercado financeiro.

Apesar da exclusão das mulheres de temas econômicos e financeiros ser histórica, em pleno século XIX Hetty Green, também conhecida como a Bruxa de Wall Street,  investidora considerada a primeira magnata dos Estados Unidos, viveu na contra mão da estrutura social de sua época e provou que as mulheres poderiam atuar brilhantemente onde quer que quisessem atuar, inclusive fora do ambiente doméstico.

Hetty quebrou muitos paradigmas e deixou uma trajetória inspiradora pouco conhecida, mas que merece ser compartilhada.

Henrietta Howland Robinson nasceu em 21 de novembro de 1834, em New Bedford, Massachusetts. De família rica, aos 6 anos Hetty já lia notícias do mercado financeiro para seu avô, que também lhe explicava sobre preços de ações. Aos 10 anos trabalhou como secretária de seu pai, escrevendo cartas e participando de reuniões. Aos 13, cuidava da contabilidade dos negócios da família. Aos 20, ganhou de seu pai vários dos vestidos mais finos e elegantes da época para que pudesse atrair um bom pretendente para se casar – Green vendeu seu novo guarda-roupas inteiro e com o dinheiro comprou títulos do governo, seu favorito.

Apesar ter ficado muito famosa em Wall Street, Hetty era cautelosa ao gerenciar sua carteira de ações, preferia comprá-las para investimento e não especulação. Ela também soube capitalizar grandes somas com empréstimos, especialmente durante o pânico de 1907, crise que provocou a queda do mercado de ações. Para se ter uma ideia, quando a crise terminou, dentre os que lhe deviam dinheiro estava a cidade de Nova York.

Mesmo tendo acumulado uma grande fortuna, Hetty sempre levou uma vida humilde morando em diversos apartamentos pequenos e baratos, e mantendo um escritório localizado no Chemical Bank de Nova York onde, diziam as más línguas, “todos os dias almoçava mingau”.

Em um tempo em que as mulheres não tinham sequer o direito de votar, Hetty era excêntrica e uma das figuras “mais temidas” de Wall Street. Ela não usava vestidos de seda ou renda, apenas algodão, motivo pelo qual era vista como avarenta, além de ter acumulado outros títulos nada lisonjeiros como gananciosa, desagradável e mesquinha. As histórias em torno de Green eram sempre bastante exageradas, pesquisas sobre sua vida desmentem muitas das publicações feitas na época.

Existem, por exemplo, relatos de que ela se consultava somente com médicos de instituições de caridade; de que abandonou seu marido, Edward H. Green, quando seus problemas financeiros começaram a atingir sua fortuna; que teria entrado com várias ações judiciais contra a própria família e de que; por se recusar a pagar um médico para o filho, ele acabou perdendo uma de suas pernas.

Hetty cuidou do marido doente até a morte dele em 1902, quando passou a usar somente vestidos pretos, o que lhe rendeu o famoso apelido de “bruxa”; levou o filho a diversos médicos na tentativa de conseguir que tratassem sua ferida e salvassem sua perna, e até apoiou uma greve de trabalhadores públicos em 1895.

Como destaca a New England Historical Society, a questão é que naquela época as pessoas não estavam acostumadas a ver uma mulher tão arrojada e independente como Hetty Green, principalmente na área financeira.

Quando morreu, em 1916, ela havia transformado os 10 milhões de dólares que recebera de herança do pai e da tia numa fortuna hoje equivalente a 1,6 bilhões de dólares! Ela também deixou contribuições na área de investimentos em valor (value investing) que moldaram o século XX, e posteriormente enriqueceram pessoas como Warren Buffett.

Principal biógrafo da investidora mais famosa de Wall Street, Charles Slack, destaca: “No fim das contas, seu maior crime parece ter sido escolher viver de acordo com as próprias regras e não as da sociedade”.

Gosto bastante de ler sobre grandes mulheres cujas histórias são pouco conhecidas do grande público. Sempre que puder compartilharei, mesmo que de forma breve, algumas delas com vocês.