Muito mais do que marca de Champagne – Veuve Clicquot, a viúva que transformou uma vinícola familiar em um império

 

No último mês tive a sorte de me deparar com o livro da Tilar J. Mazzeo, que fez um trabalho de formiguinha maravilhoso pesquisando sobre a vida de Barbe-Nicole Clicquot Ponsardin, fundadora de uma das casas de champagne mais famosas do mundo.

A falta de registros sobre ela – por ter vivido em uma época em que a mulher era criada para a vida doméstica e em que a vida de empreendedores raramente entrava nos livros de história – explicaria o fato de sua trajetória ser pouquíssimo conhecida, motivo que despertou o interesse de Tilar – para nossa alegria.

As histórias conhecidas sobre o negócio do vinho costumam colocar os homens em posição de protagonistas. Credita-se, por exemplo, à Dom Pérignon (monge cego que viveu no século XVII) a descoberta da produção de champagne; e fala-se sobre homens como Jean-Rémy Moët, que usou sua relação pessoal com Napoleão para alavancar seu negócio; e Charles-Henri Heidsieck que cavalgou da França até a Rússia para chamar atenção para a valiosa bebida.

Mas a realidade é a seguinte: o champagne não nasceu na França, mas na Inglaterra – os ingleses descobriram como fazer o vinho espumar e foram os primeiros a comercializá-lo; Dom Pérignon era um grande degustador, mas dedicava a maior parte de seu tempo tentando eliminar as bolhas dos vinhos; o nome “champagne” foi registrado muito tempo depois pela empresa Moët e Chandon, antes disso era apenas espumante; e Barbe-Nicole instituiu o famoso ‘Madame Clicquot’ como o espumante mais luxuoso do mercado do vinho, que tornou-se também sinônimo de festas e boa vida.

Aos 27 anos, sem nenhuma formação ou experiência, mãe de uma filha pequena, Barbe-Nicole teve a chance de mostrar seus talentos empresariais na pequena vinícola familiar após ficar viúva. Descrita como independente, generosa, audaciosa, inteligente, insistente, dominadora e conservadora, assumiu durante muitos anos o papel de matriarca, elevando o status de sua família da burguesia francesa para a classe alta e se tornando a primeira mulher de negócios a ser tratada como ‘celebridade’. Todos na Europa pediam “uma garrafa da viúva”.

“Na Champagne, ela era conhecida simplesmente como la grande dame. Safras raras de Veuve Clicquot ainda são chamadas “La Grande Dame” em tributo à sua fama”.

Reconhecendo uma indústria em crise no final do século XIX, quando o Ancien Régimedesmoronava, ela não teve medo de arriscar sua independência financeira em um novo empreendimento e buscar novos mercados fora dos limites do território francês. A aristocracia russa, por exemplo, era grande apreciadora e consumidora de seus espumantes, apesar de não serem tão doces como as bebidas que gostavam de apreciar –  estou falando aqui de espumantes com 300 gramas de açúcar residual!

Ironicamente, Barbe-Nicole nunca considerou a possibilidade de sua filha, Clémentine, assumir o comando do império comercial que construiu. Ela sequer cogitava a possibilidade de casá-la com um empresário que lhe permitisse atuar como “sócia oculta”, como ela própria fez em seus poucos anos de casamento.

Barbe-Nicole casou então Clémentine com o ocioso conde Louis de Chevigné para que recebesse um título de nobreza, o que certamente ajudariam seus negócios. Apesar do casamento atender seus interesses comerciais, seu extravagante genro passou a vida toda esbanjando de sua fortuna.

Teve, como uma de suas grandes realizações, se não a maior delas, a descoberta do remuage, processo utilizado para clarificar o champagne através da remoção dos resíduos das leveduras que ficam na garrafa depois da segunda fermentação. Foi esse processo em particular, usado até hoje, que tornou o champagne o vinho mais famoso do mundo.  

“Aos 40 anos, Barbe-Nicole era uma das mais ricas e famosas empresárias de toda a Europa, e uma das primeiras mulheres de negócios na história a liderar um império comercial internacional”.  

E mesmo sem saber, a viúva Clicquot abriu caminho para uma segunda geração de mulheres empreendedoras, como a jovem Louise Pommery que, seguindo seus passos, construiu uma das maiores casas de champagne e inventou o champagne brut, seco. Infelizmente, não houve uma terceira geração de mulheres, e a casa Clicquot só teria outra mulher no comando após 130 anos.

Apesar de ter vivido na época do nascimento do feminismo, ela nunca defendeu os direitos das mulheres. Em vez disso, cercou-se de homens como empregados, sócios e até amigos.

Sua famosa assinatura, em que se lê Veuve Clicquot Ponsardin, até hoje estampa os famosos rótulos laranjas do champagne sem especificação de safra da companhia.

 

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Este texto faz parte de uma série sobre mulheres pouco conhecidas que tiveram papel importante na história que pretendo publicar.

A intenção não é apenas exaltar os seus feitos, mas a coragem que tiveram de romper os paradigmas da época em que viveram e trazer motivação para as mulheres de hoje! Porque boas histórias não têm prazo de validade e são pequenos sopros de inspiração.

O primeiro da série é sobre Hetty Green, a primeira mulher de Wall Street, que pode ser acessado aqui.

 

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